Braulia Ribeiro comenta o triste
caso dos pastores que deixaram de acreditar em Deus para acreditar no mundo
Alguns pastores, antes medalhões
do movimento evangélico brasileiro, resolveram se manifestar e trair a sua fé,
posicionando-se contra a expressão cristã que antes representavam. Esses
pastores preferem aderir ao terrorismo moral do wokismo a ser atacados por ele.
Assim, traem o público que antes serviam e a fé que professavam, tudo em nome
de uma suposta pureza moral. Infelizmente não é um fenômeno incomum nos
dias de hoje.
Ricardo Gondim, que foi pastor de
uma mega igreja em São Paulo, no coração da capital, é um desses pastores que
se arrependeram da fé. Gondim veio do contexto tradicional das
Assembleias de Deus de Fortaleza, e com coragem e inteligência cativou em São
Paulo um público cult, jovens famílias e universitários. Harmonizou duas
tendências aparentemente irreconciliáveis como o racionalismo protestante e o
sentimentalismo pentecostal, conseguindo apresentar um evangelho capaz de
produzir satisfação intelectual e libertação espiritual. Gondim era um
superstar. Alto, esbelto, corredor de maratonas, dono de um intelecto
razoável e uma voz poderosa, o ex-pastor Gondim influenciou muito a cultura
evangélica urbana. Suas pregações eram gravadas e ouvidas por fãs em todo o
país. Apesar de manter um estilo pentecostal tradicional, trazia para suas
mensagens um diálogo interessante com os desafios enfrentados pelos jovens das
grande cidades. Gondim foi para São Paulo o que Timothy Keller (o pastor
falecido recentemente da família de igrejas presbiterianas Redeemer) foi para a
cidade de Nova York. O urbanoide, pós-moderno e cult também precisa de fé. O
paulistano encontrava na Igreja Betesda de Gondim o que os nova-iorquinos
encontraram na Redeemer, uma proposta religiosa na sua língua nativa.
Mas a trajetória de Gondim começa
a embananar quando em algum ponto de suas crises de meia-idade e conflitos
psicológicos, ou como subproduto de narcisismo, a sua consciência moral
hipertrofia. Sim, você leu certo, ela não se encolhe, ela se agiganta: Gondim
se torna o ser moral acima de todos os vis mortais. Imbuiu-se de um
quixotismo apaixonado e começou a combater os moinhos de vento e espantalhos
que ele mesmo criou na paisagem evangélica. Apaixonou-se por Rubem Alves, rei
das platitudes inócuas, que também abandonou a fé cristã para se reinventar
como profeta de um grolado filosófico marxiano-heideggeriano. Gondim começa a
seguir seu exemplo e se enxerga um vingador do evangelicalismo. O puro
combatente solitário, um whistle-blower capaz de expor os podres das
denominações evangélicas às quais dedicou sua vida. Gondim é, segundo ele
mesmo, um representante do verdadeiro evangelho do amor. Usa sua conta no
Instagram reproduzindo incessantemente seu rosto, ora triste, ora triunfante.
Mas seus sentimentos, que antes serviram de inspiração e encorajamento
para muitos, agora se tornaram tão idiossincráticos que dificilmente empolgam
alguém.
Não há dúvidas de que Gondim
ainda encontra público para suas fotos cult e seu lamentos imprecatórios. Junto
com nomes antes reverenciados pelos evangélicos – como Caio Fábio, Ed René
Kivitz, Antônio Carlos Costa, Paulo Cruz, Kleber Lucas –, Gondim hoje faz parte
do grupo dos que se enxergam como dissidentes, e por que não, redentores da fé
evangélica brasileira. Essa gente empolga aqueles que sempre foram inimigos da
fé. É irônico, é melancólico: quem antes se esforçava em defesa da fé bíblica
hoje se esfalfa para ganhar seguidores entre os que a odeiam. Mas são
mesmo dissidentes da fé, esses senhores tão nobres?
Quero propor ao leitor que eles
não divergem da fé evangélica, mas sim de quimeras que eles mesmo constroem.
São mestres em criar espantalhos a partir dos dogmas cristãos e atacá-los como
se retratassem a verdade. O que na cultura evangélica irrita esses “heróis
morais”? Gondim pontua assim sua discordância:
“Não sou parte do movimento
evangélico. Por quê? O movimento evangélico pressupõe: Inerrância da Bíblia,
Pecado original, Deus no controle de tudo, teologia sacrificial, teleologia –
(a história caminha para um fim glorioso). Quem não subscreve a essas
teologias, também não é”.[1]
O senhor está certíssimo, Sr.
Gondim. Deus e a Bíblia são o centro da religião evangélica. Não são os meus
sentimentos nem os seus. E os julgamentos e ideias de Deus que chegaram até nós, interpretados
por 20 séculos de tradição cristã, são superiores a todas as sentiduras e
neo-hermenêuticas que você e seus amigos tentam passar ao público como se
fossem ortodoxia.
Gondim também se irrita com o
“mal” que ele vê na cultura evangélica. Cada uma de suas acusações, no entanto,
pode ser desmascarada com estatísticas e fatos. Para ele e muitos dos
neo-pastores que adotaram o racialismo americano, os evangélicos são racistas.
Sinto muito, mas o pentecostalismo é a expressão cristã mais negra do Brasil.
Muito mais do que as religiões ditas afro que de afro só têm a origem
longínqua. Mas não basta ter representatividade negra, pastores e líderes
negros no Brasil inteiro: para serem justos e puros, os evangélicos também
teriam que abraçar a política negrista, militar contra o “branquismo” (se é que
algum brasileiro pode se chamar de branco). A religião evangélica também é,
segundo Gondim e seus pares, misógina. E aqui também me faltariam páginas para
documentar a imensa mentira factual que essa acusação representa. Para poupar o
leitor do aborrecimento de ler estatísticas eu o convido a uma visita num
domingo à noite a uma igreja evangélica. Mulheres pregam, despregam, cantam,
encantam e desencantam, dançam, algumas até bem sensualmente, enfim, as congregações
se esbaldam de mulheridade. Mulheres são líderes de igrejas e até de
denominações. Essa autora que vos escreve, que é devidamente uterizada
desde o nascimento e que deu à luz três seres humanos brilhantes, já até pregou
na igreja do próprio dito cujo. Existe, sim, uma discórdia interna: para
algumas denominações mulheres podem pregar; para outras, não. Mas eu garanto,
caro leitor, que em todas, pregando ou não, a mulher tem mais honra e espaço
nas comunidades evangélicas do que na maioria das associações que se
autoproclamam igualitárias. Seriam as igrejas misóginas porque pregam que
existe uma ordem doméstica, ou sugerem que talvez o casamento realize a mulher
mais profundamente do que uma carreira de modelo no Instagram? De novo, a
crítica aqui é política, não é questão de espaço social. Segundo os críticos,
evangélicos são misóginos porque não aderiram à militância política das
feministas radicais. Se você não trabalha para destruir os homens e tudo o que
se relaciona com a masculinidade que agora é considerada intrinsecamente tóxica
então você é misógino. Mas vale a ressalva: não estou de maneira alguma
eximindo as igrejas evangélicas de problemas. Os problemas são muitos. Existe
abuso e machismo dentro de igrejas como existe fora. A mesma cultura que colore
o Brasil colore também muitos evangélicos que não a repensaram. Mas tudo isso é
previsto também pela Bíblia. O livro sagrado dos cristãos não nos promete um
paraíso na terra, nem uma santificação automática. Promete o contrário: teremos
na terra luta, aflições, dores porque ainda estamos sujeitos a nossos pecados e
aos dos outros.
Mais uma queixa política:
homofobia. Aqui, é claro que tenho que conceder a Gondim e seus pares: os
evangélicos que consideram a Bíblia a palavra revelada não se sentem no direito
de atualizá-la nem de cortar pedaços dela. A Bíblia sugere que uma família
abençoada por Deus é constituída por um homem e uma mulher e eventualmente os
filhos que eles produzirem e que terão o dever de cuidar e nutrir até que se
tornem maduros para também constituírem suas próprias famílias. Assim tem sido,
segundo a Bíblia, desde a fundação do mundo. Por mais que doa ao coração de
muitos que se compadecem por filhos e filhas, amigos e uma geração inteira que
acredita hoje que gênero e sexo não são traços relevantes da identidade humana,
nem uma característica biológica (enquanto raça, que o projeto Genoma
provou que não tem nada a ver com biologia, para os “certinhos” é, vai
entender!?), os evangélicos que realmente respeitam a Bíblia não se sentem
no direito de mudar esses princípios a seu bel-prazer. Então, eles se
posicionam contrários à união homossexual. Mas espera aí. Isso é em si
homofobia? Até onde eu saiba, não. Isso é uma posição moral, e não política,
justificada em séculos de prática cristã em todo o mundo.
A opção por uma posição moral em
detrimento da outra torna alguém um fóbico da posição que rejeitou? Até ontem,
não. Manter uma posição moral não é o mesmo que rejeitar o transgressor. O
cristão que pretende seguir a Bíblia a segue porque a crê divina e como tal,
capaz de uma visão melhor sobre o ser humano do que ele mesmo. E primeira coisa
que o cristão aprende é que ele tem que amar o próximo, porque todos somos
criaturas de Deus. O que nos torna valiosos e dignos não é nossa sexualidade,
ou a adesão a regras de comportamento, etc., mas o fato sermos criatura, amados
por Deus apesar de nossas falhas humanas. Por isso, em tese não pode haver um
espaço mais tolerante e inclusivo do que a igreja de Cristo. Qualquer
homossexual solitário vai achar uma comunidade que o abraça entre os
evangélicos. Mas não vai encontrar quem o ache superior, ou glorioso por causa
de sua sexualidade. Talvez seja aí na falta de adulação bajuladora que a igreja
peca contra o gay. Uma comunidade evangélica tradicional vai receber com amor,
mas vai também pedir ao devoto gay, como pede de qualquer outro, que siga suas
regras em relação ao comportamento sexual. Toda comunidade tem regras. Não
posso frequentar uma colônia nudista vestida. Eu não poderia impor a minha
presença se quisesse ficar vestida numa colônia nudista sem ser percebida como
insensível, arrogante e pretenciosa.
A perspectiva moral da igreja só
é vista como rejeição social porque hoje a homossexualidade deixou de ser uma
condição provocada por uma determinação moral para se tornar uma condição
social que tem que receber privilégio social e político. Mais uma vez Sr.
Gondim entendemos o que está por trás de seus argumentos. Você não é evangélico
porque se tornou um militante político de uma ideologia que conflita
diretamente com os valores que antes você aceitava e defendia. Você hoje é
devoto da religião secular que compete diretamente com os valores cristãos que
antes defendia.
Gondim e seus pares não são
dissidentes, são difamadores do movimento que os construiu, que lhes deu o
conforto material e o respeito do qual ainda desfrutam. Posam como heróis do
antimoralismo tentando afirmar uma nova proposta cristã, mas na verdade não
passam de pregadores de um moralismo muito pior, que não constrói nada, só se
ocupa de destruir, cancelar, negar, difamar, diminuir, e matar o que gera vida.
Assombra-me que do alto de sua intelectualidade superior esses
pseudo-dissidentes oportunistas não percebam a armadilha na qual se deixaram
apanhar. O movimento político ao qual se aliaram é êfemero como os valores que
propagam. Seus afetos são levados pelo vento como sementes de paina. Hoje amam
amanhã odeiam e cancelam. Será cancelado nosso irmão. Quem alimenta Cérbero no
quintal acaba devorado por ele. Espero que Gondim recupere na solidão do
abandono a lucidez moral que agora lhe falta.
Fonte: https://brasilsemmedo.com/os-pastores-lacradores-e-a-religiao-mais-pura-que-deus/
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